Considerações iniciais sobre a eliminação dos extremos de pobreza e riqueza

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Considerações iniciais sobre a eliminação dos extremos de pobreza e riqueza

Follow-up à Conferência de Cúpula de Desenvolvimento Social e à vigésima quarta sessão especial da Assembleia Geral: tema prioritário: erradicação da pobreza Declaração apresentada pela Comunidade Internacional Bahá’í, uma organização não governamental com status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social

New York, New York—1 February 2012

Item 3 (a) da agenda provisória*

O Secretário Geral recebeu a declaração abaixo, a qual está sendo circulada de acordo com os parágrafos 36 e 37 da resolução 1996/31 do Conselho Econômico e Social:

Declaração

Os programas de erradicação da pobreza geralmente têm focado na criação de riqueza material. Embora essas mediadas tenham melhorado o padrão de vida em algumas partes do mundo, a desigualdade ainda permanece amplamente difundida. No seu Relatório de 2005 sobre a Situação Social Mundial, o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais do Secretariado das Nações Unidas destacou o crescente abismo entre economias formais e informais, a dilatação da lacuna entre trabalhadores qualificados e não qualificados e a intensificação da disparidade na saúde e educação, bem como em oportunidades de participação social, econômica e política. Um fato bem documentado é que o foco no crescimento e geração de renda não se traduziu necessariamente em melhora social significativa, e a incrementação da desigualdade tornou a comunidade global cada vez mais instável e insegura.

A Comunidade Internacional Bahá’í deseja contribuir para a discussão da Comissão sobre a erradicação da pobreza considerando os fenômenos relacionados aos extremos de pobreza e riqueza. Enquanto o objetivo da erradicação da pobreza é amplamente endossado, e ideia de eliminação dos extremos de riqueza é, para muitos, desafiadora.

Alguns temem que ela possa ser usada para minar a economia de mercado, abafar o espírito empreendedor ou impor medidas de nivelamento de renda. Não é a isso que nos referimos. Na verdade, a riqueza material é de importância crucial para a realização de metas individuais e coletivas; exatamente por isso, uma economia forte é um componente-chave para uma ordem social vigorosa. Sugerimos que o reconhecimento da questão dos extremos de pobreza e riqueza se ocupa essencialmente da natureza dos relacionamentos que interligam indivíduos, comunidades e nações. Hoje, a maioria dos povos do mundo vive em sociedades que se caracterizam por relacionamentos de dominação—seja de uma nação sobre outra, de uma raça por outra, de uma classe social por outra, de um grupo religioso ou étnico por outro, ou de um sexo pelo outro. Nesse contexto, um discurso sobre eliminação dos extremos de pobreza e riqueza presume que as sociedades não podem florescer num ambiente que estimula o acesso injusto aos recursos, ao conhecimento e a uma participação significativa na vida da sociedade.

Nesta contribuição, fazemos uma breve reflexão sobre o modo como os seguintes aspectos da sociedade contribuem para esses extremos: uma visão materialista do mundo, pressupostos acerca da natureza humana, os meios de geração de riqueza e acesso ao conhecimento. Propomos um conjunto alternativo de pressuposições e ponderamos como elas podem promover um ambiente econômico mais equitativo.

O modelo predominante de desenvolvimento depende de uma sociedade de vigorosos consumistas de bens materiais. Elevar incessantemente os níveis de consumo é considerado como indicador de progresso e prosperidade. Essa visão materialista do mundo, que justifica grande parte do pensamento econômico moderno, reduz os conceitos de valores, de propósito humano e de interações humanas à busca egoísta pela riqueza material. O resultado inevitável – um cultivo irrestrito de necessidades e desejos – conduziu a um sistema dependente do consumo excessivo por uma minoria, ao mesmo tempo em que reforça a exclusão e a pobreza das grandes multidões.

No entanto, a maioria das pessoas admitiria que essa amplamente difundida visão materialista não abrange a totalidade da experiência humana. Isso inclui as expressões de amor e auto-sacrifício, a busca por conhecimento e justiça, a atração pela beleza e pela verdade, e a busca por sentido e propósito, para citar apenas algumas. De fato, o progresso e a vitalidade da ordem social exigem um relacionamento coerente entre as dimensões material e espiritual da vida humana. Dentro de tal ordem, a organização econômica apoia o desenvolvimento de relações humanas justas e pacíficas e pressupõe que todo indivíduo tem uma contribuição a dar para a melhora da sociedade.

Consideremos que, de acordo com o Instituto de Estatística da Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (UNESCO), cerca de 800 milhões de adultos não sabem ler ou escrever; que dois bilhões e meio de pessoas carecem de saneamento básico; e que cerca da metade das crianças do mundo vivem na pobreza. No outro extremo, um punhado de indivíduos, aproximadamente 500 bilionários, controlam 7 por cento do produto interno bruto (PIB) do mundo. Temos um sistema econômico que gera extrema desigualdade. Muitos acreditam que essa desigualdade, embora indesejável, seja necessária para a geração de riqueza. Se o processo de acumulação de riqueza se caracteriza pela opressão e dominação de outros, como poderíamos esperar que fossem mobilizados os recursos materiais, intelectuais e morais necessários para erradicar a pobreza?

Muitos reconhecem que a legitimidade da riqueza depende de como ela é adquirida e como é despendida. A riqueza é extremamente meritória desde que adquirida por meio de esforço honesto e trabalho dedicado; que as medidas tomadas para gerar tal riqueza sirvam para enriquecer a sociedade como um todo; e que a riqueza assim obtida seja despendida para promover o conhecimento, a educação, a inovação e, de um modo geral, faça avançar a civilização humana. O princípio de justiça pode ser expressado em diferentes níveis relacionados ao processo de aquisição de riqueza. Empregadores e empregados, por exemplo, dependem de leis e convenções que regulam seu trabalho. Espera-se que cada um cumpra suas responsabilidades com honestidade e integridade. Num outro nível, podemos considerar se as medidas de geração de riqueza estão servindo para enriquecer a sociedade e promover seu bem-estar. As diversas abordagens para obtenção de riqueza devem entrar no discurso sobre a erradicação da pobreza de modo que as medidas que envolvem a exploração de outros, a monopolização e a manipulação de mercados e a produção de bens que promovem a violência e rompem a estrutura social possam ser completamente analisadas e avaliadas pela população em geral. Podemos, por exemplo, perguntar: Será que a relação entre os salários e o custo de vida é justa e equitativa? Que tipos de medidas de geração de riqueza serviriam para enriquecer a generalidade das pessoas em vez de uns poucos indivíduos selecionados?

Juntamente com esse discurso, a erradicação dos extremos de pobreza e riqueza exige nada menos que uma revolução do conhecimento. Tal revolução precisará redefinir o papel de cada indivíduo, comunidade e nação na geração e aplicação do conhecimento. Precisará reconhecer a ciência e a religião como dois sistemas complementares de conhecimento que, no decorrer da história, tornaram possível a investigação da realidade e o avanço da civilização. À medida que esses processos de desdobrarem, ajudarão a transformar a qualidade e a legitimidade da educação, da ciência e da tecnologia, bem como os padrões de consumo e produção. As massas do mundo não podem continuar a ser consideradas apenas como consumidores e usuários finais da tecnologia originada em países industrializados. Tal orientação sufoca os níveis de empreendimento e criatividade humana necessários para tratar dos desafios prementes da atualidade. O desenvolvimento da capacidade de identificar necessidades tecnológicas, de inovar e adaptar tecnologias existentes é vital. Se desenvolvida com sucesso, tal capacidade servirá para romper o fluxo desequilibrado de conhecimento do Norte para o Sul, da cidade para o campo e do homem para a mulher. Isso ajudaria a expandir o conceito de tecnologia “moderna” para um que seja caracterizado por necessidades localmente definidas e por prioridades que levem em consideração o bem-estar material e espiritual da comunidade.

Conforme expressado na introdução desta declaração, a erradicação da pobreza não pode ser concebida apenas em termos do aumento da riqueza material dos pobres. Trata-se de um empreendimento mais amplo, fundamentado em relacionamentos que definem as interações entre indivíduos, comunidades e nações. Convidamos os que estão trabalhando ativamente para estabelecer uma ordem social e econômica mais justa para se engajarem conosco no diálogo acerca dessas questões subjacentes de modo a aprendermos uns com os outros e, coletivamente, promovermos esforços rumo a esses objetivos. Concluímos com algumas questões para sua consideração:

Qual o propósito de uma economia? Em que premissas acerca da natureza humana se baseia o nosso entendimento do propósito da economia? Como entendemos o conceito de riqueza?

De que maneiras os extremos de pobreza e riqueza bloqueiam o desenvolvimento, o empoderamento e os relacionamentos sadios? Que tipos de identidades são formados com a existência desses dois extremos (por exemplo, dependente, auto-complacente, consumidor, produtor, e assim por diante)? Como essas identidades perpetuam a desigualdade?

Qual o papel do conhecimento — obtido tanto da ciência como da religião — na transformação das nossas estruturas e processos econômicos?

Como podemos conceitualizar a natureza e o propósito do trabalho, da riqueza e do empoderamento econômico para além das noções de maximização da utilidade por parte de indivíduos auto-interessados?

Quais são os papéis do indivíduo, da comunidade, do setor corporativo e dos líderes eleitos em face da eliminação dos extremos de pobreza e riqueza? Como isso ocorre na prática?

Quais os pontos de inserção para se transformar a economia? O que motiva indivíduos, comunidades, corporações e governos a reformular estruturas e processos econômicos? De onde vem seu propósito e comprometimento?

Que concepções ou crenças amplamente estabelecidas bloqueiam nossa habilidade de transformar os sistemas econômicos que temos hoje? Como elas podem ser superadas?